NO AR
RAPSÓDIAS AO REDOR - 2a TEMPORADA
FESTIVAL ESCUTA
INSTITUTO MOREIRA SALLESDEZEMBRO 2021
Durante os três dias do Festival Escuta, a Segunda Temporada da TV Coragem fomenta e experimenta formatos alternativos de produção e distribuição audiovisual através de obras comissionadas e/ou disponibilizadas pela primeira vez na internet, com acompanhamento curatorial e provocações que tem como referência e correspondência, o longametragem De Cierta Manera (1977), de Sara Gomez. O longa cubano radicaliza o imaginário sobre a classe operária moradora dos bairros pobres de Havana através de uma impressionante hibridização entre a ficção e o registro documental, produzindo espaços como consequências dos tensionamentos entre os dramas cotidianos e a vida social.
Em Rapsódias ao redor, a TV Coragem disponibiliza ao público um programa de filmes interessados nas práticas video-espaciais, onde pelo cinema e pelo vídeo traçam movimentos, contornos e extensões aos imaginários dos espaços que circulam, propondo gestos e experiências de transformação: de si mesmos e dos meios em que se inserem - ou são inseridos. É curioso perceber como este formato experimental de distribuição vinculado ao fomento à produção realiza o encontro não só entre imagens filmadas para o comissionamento, mas a reelaboração de materiais guardados, engavetados, editados e ainda não lançados, ou simplesmente processos que já estão em curso mas vem ao mundo por um convite que se torna um motivo. Nos faz pensar que o cinema já existe ao nosso redor, só precisa de um motivo para vir ao mundo. Assim este programa reúne os filmes, como breves poemas encontrados e recitados em canções ao nosso entorno.
Estar de frente para Allegro Ma Non Troppo (2016) de olhos, ouvidos e coração abertos é sentir que o meio, há muito tempo, é mediado por belezas e presenças em constante movimento, percebidas no filme pelos gestos retratistas de Everlane Moraes, que ambienta as imagens com Transcriciones Para Orquestra de Johann Sebastian Bach - isto é, convidadas a encruzilhadas interdisciplinares, onde o espaço e o tempo são reorganizados pela inventividade da própria criação. Everlane nos introduz à juventude de Havana, com semelhanças e diferenças à juventude brasileira, operando energias que são tão populares, quanto eruditas, que não se restringem, muito menos limitam-se à polarização binária entre um, ou outro. Aqui o popular é erudito: alegre, mas não tanto.
Em Destino Av. Brasil (2021) de Jéferson Ge, o espaço é elaborado no trajeto. Através do convite para o comissionamento de seu processo, o experimental cineasta inicia na realização deste trabalho, o preparo para criação de personagens que estarão em seu próximo filme. Parece sintomático que um filme de trajetos seja executado por uma metodologia de criação que estuda seu próprio processo de um filme para outro. Percebemos através de várias mensagens de áudio de whatsapp, acontecimentos cotidianos que são compartilhados entre diversos membros do mesmo grupo, que por sua vez estão percorrendo o território da capital do Rio de Janeiro, desenhando por onde passam os imaginários que evocam em suas narrações. Um filme que une material filmado no trem em outras épocas unificados em preto e branco com imagens realizadas em vans, entre outros transportes público. A observação da paisagens de Jéferson, não se resume a um bairro como um cartão-postal, mas ao movimento entre eles. Dentre todos os percursos pela Avenida Brasil, entre o Centro da capital e o bairro de Sepetiba na Zona Oeste, não parece preocupado em idealizar um imaginário da cidade, mas experimentá-la em suas cinéticas: através do uso câmera e do deslocamento de seu próprio corpo.
Tropicaos (2020) de Rafael Bqueer nos traz o espaço como uma abstração. Utilizando material em vídeo ainda não divulgado na internet, de performance realizada em 2020 em Salvador, o artista avança com o trabalho buscando na trilha sonora uma ambientação para sua performance. A trilha no vídeo reforça o interesse de Bqueer pela hibridização do seu trabalho de arte com a cultura pop e propõe um ritmo para esta abstração do espaço, que só nos damos conta que possui um limite físico, quando existe o rasgo. Neste momento, em que se rompe uma tela estampada que nos remete à tropicalidade, se permite ver o corpo da artista em travessia: de um antes dentro, agora exposto ao fora. De uma tela que se rende à deformação e que reconfigura os limites entre espaços internos e externos através da travessia. O atravessamento entre espaços experimenta suas tecituras pelo deslocamento: como a dança, ocupa um espaço imediadatemente que desocupa outro, mas em Tropicaos esse movimento que o corpo, ou o imaginário nacional, o faz não é uma simples passagem, mas um gesto de rompimento.
Se nos filmes citados a cima o espaço é algo retratado, em Espelhos (2021) de biarritzzz ele é um caminho para se pensar e fazer poesia. Nesta obra comissionada, a artista se encontrava em trânsito entre Recife, Rio de Janeiro e São Paulo com um celular antigo, com imagens de baixa qualidade, que se em outros contextos poderiam ser pensadas como poor images, aqui não investigam a precariedade de sua materialidade, mas se abrem a abundância de suas mobilidades e texturas, como algo observável no próprio Tempo. A investigação do poema escrito em espiral traça tecituras de espelhamento entre a unidade e o todo, quando nos traz o pixel como um grão de areia.
Para Caminhada Lunar (2021) de Baixada Cine o espaço abordado é aquele criado pela intimidade. Um filme que se passa inteiro em uma casa em Belford Roxo num passado não-tão-distante, nos coloca a paisagem nos fundos da primeira imagem, trazendo os protagonistas Lorre Motta e Vitor Senra como figuras frente ao fundo, que a partir dali constroem estranhamentos e desejos de um jovem casal convivendo em casa. Durante todo o filme, inquietações sociais são elaborados nos gestos cotidianos, como quando conversam sobre as estruturas em que estão inseridos enquanto brincam de jogar pega-varetas. Enquanto nada se desaba, nem se treme, a conversa consegue prosseguir. Mas quando as perguntas inserem os personagens em suas inquietações, quando voltam para si, percebemos o momento de desestabilização do jogo: fica nítido um ruído na relação do casal. Após tentarem resolver suas diferenças a partir de um gosto comum pelo ícone pop Michael Jackson, tem suas atenções unidas quando descobrem que naquele dia seu ídolo foi encontrado morto, em outro país. Este fato comum, internacional, consegue atravessar países e chegar na intimidade do lar em que o casal vive, alterando inclusive a forma como eles convivem por alguns instantes.
FESTIVAL ESCUTA
INSTITUTO MOREIRA SALLES
DEZEMBRO 2021
Visite: https://ims.com.br/eventos/escuta-festival-2021/
Durante os três dias do Festival Escuta, a Segunda Temporada da TV Coragem fomenta e experimenta formatos alternativos de produção e distribuição audiovisual através de obras comissionadas e/ou disponibilizadas pela primeira vez na internet, com acompanhamento curatorial e provocações que tem como referência e correspondência, o longametragem De Cierta Manera (1977), de Sara Gomez. O longa cubano radicaliza o imaginário sobre a classe operária moradora dos bairros pobres de Havana através de uma impressionante hibridização entre a ficção e o registro documental, produzindo espaços como consequências dos tensionamentos entre os dramas cotidianos e a vida social.
Em Rapsódias ao redor, a TV Coragem disponibiliza ao público um programa de filmes interessados nas práticas video-espaciais, onde pelo cinema e pelo vídeo traçam movimentos, contornos e extensões aos imaginários dos espaços que circulam, propondo gestos e experiências de transformação: de si mesmos e dos meios em que se inserem - ou são inseridos. É curioso perceber como este formato experimental de distribuição vinculado ao fomento à produção realiza o encontro não só entre imagens filmadas para o comissionamento, mas a reelaboração de materiais guardados, engavetados, editados e ainda não lançados, ou simplesmente processos que já estão em curso mas vem ao mundo por um convite que se torna um motivo. Nos faz pensar que o cinema já existe ao nosso redor, só precisa de um motivo para vir ao mundo. Assim este programa reúne os filmes, como breves poemas encontrados e recitados em canções ao nosso entorno.
Estar de frente para Allegro Ma Non Troppo (2016) de olhos, ouvidos e coração abertos é sentir que o meio, há muito tempo, é mediado por belezas e presenças em constante movimento, percebidas no filme pelos gestos retratistas de Everlane Moraes, que ambienta as imagens com Transcriciones Para Orquestra de Johann Sebastian Bach - isto é, convidadas a encruzilhadas interdisciplinares, onde o espaço e o tempo são reorganizados pela inventividade da própria criação. Everlane nos introduz à juventude de Havana, com semelhanças e diferenças à juventude brasileira, operando energias que são tão populares, quanto eruditas, que não se restringem, muito menos limitam-se à polarização binária entre um, ou outro. Aqui o popular é erudito: alegre, mas não tanto.
Em Destino Av. Brasil (2021) de Jéferson Ge, o espaço é elaborado no trajeto. Através do convite para o comissionamento de seu processo, o experimental cineasta inicia na realização deste trabalho, o preparo para criação de personagens que estarão em seu próximo filme. Parece sintomático que um filme de trajetos seja executado por uma metodologia de criação que estuda seu próprio processo de um filme para outro. Percebemos através de várias mensagens de áudio de whatsapp, acontecimentos cotidianos que são compartilhados entre diversos membros do mesmo grupo, que por sua vez estão percorrendo o território da capital do Rio de Janeiro, desenhando por onde passam os imaginários que evocam em suas narrações. Um filme que une material filmado no trem em outras épocas unificados em preto e branco com imagens realizadas em vans, entre outros transportes público. A observação da paisagens de Jéferson, não se resume a um bairro como um cartão-postal, mas ao movimento entre eles. Dentre todos os percursos pela Avenida Brasil, entre o Centro da capital e o bairro de Sepetiba na Zona Oeste, não parece preocupado em idealizar um imaginário da cidade, mas experimentá-la em suas cinéticas: através do uso câmera e do deslocamento de seu próprio corpo.
Tropicaos (2020) de Rafael Bqueer nos traz o espaço como uma abstração. Utilizando material em vídeo ainda não divulgado na internet, de performance realizada em 2020 em Salvador, o artista avança com o trabalho buscando na trilha sonora uma ambientação para sua performance. A trilha no vídeo reforça o interesse de Bqueer pela hibridização do seu trabalho de arte com a cultura pop e propõe um ritmo para esta abstração do espaço, que só nos damos conta que possui um limite físico, quando existe o rasgo. Neste momento, em que se rompe uma tela estampada que nos remete à tropicalidade, se permite ver o corpo da artista em travessia: de um antes dentro, agora exposto ao fora. De uma tela que se rende à deformação e que reconfigura os limites entre espaços internos e externos através da travessia. O atravessamento entre espaços experimenta suas tecituras pelo deslocamento: como a dança, ocupa um espaço imediadatemente que desocupa outro, mas em Tropicaos esse movimento que o corpo, ou o imaginário nacional, o faz não é uma simples passagem, mas um gesto de rompimento.
Se nos filmes citados a cima o espaço é algo retratado, em Espelhos (2021) de biarritzzz ele é um caminho para se pensar e fazer poesia. Nesta obra comissionada, a artista se encontrava em trânsito entre Recife, Rio de Janeiro e São Paulo com um celular antigo, com imagens de baixa qualidade, que se em outros contextos poderiam ser pensadas como poor images, aqui não investigam a precariedade de sua materialidade, mas se abrem a abundância de suas mobilidades e texturas, como algo observável no próprio Tempo. A investigação do poema escrito em espiral traça tecituras de espelhamento entre a unidade e o todo, quando nos traz o pixel como um grão de areia.
Para Caminhada Lunar (2021) de Baixada Cine o espaço abordado é aquele criado pela intimidade. Um filme que se passa inteiro em uma casa em Belford Roxo num passado não-tão-distante, nos coloca a paisagem nos fundos da primeira imagem, trazendo os protagonistas Lorre Motta e Vitor Senra como figuras frente ao fundo, que a partir dali constroem estranhamentos e desejos de um jovem casal convivendo em casa. Durante todo o filme, inquietações sociais são elaborados nos gestos cotidianos, como quando conversam sobre as estruturas em que estão inseridos enquanto brincam de jogar pega-varetas. Enquanto nada se desaba, nem se treme, a conversa consegue prosseguir. Mas quando as perguntas inserem os personagens em suas inquietações, quando voltam para si, percebemos o momento de desestabilização do jogo: fica nítido um ruído na relação do casal. Após tentarem resolver suas diferenças a partir de um gosto comum pelo ícone pop Michael Jackson, tem suas atenções unidas quando descobrem que naquele dia seu ídolo foi encontrado morto, em outro país. Este fato comum, internacional, consegue atravessar países e chegar na intimidade do lar em que o casal vive, alterando inclusive a forma como eles convivem por alguns instantes.
